Sangre de Campeón

Durante o carnaval deste ano (2008), li um livro que me facinou, do autor mexicano Carlos Cuauhtémoc Sánchez.
Enquanto o lia, várias pessoas perguntaram sobre o livro, o que me fez pensar em traduzí-lo. Espero que várias pessoas possam conhecer este autor maravilhoso. Não sei quanto tempo vou levar para terminar, mas prometo que vou até o final!


Carlos Cuauhtémoc Sanchéz é um escritor por vocação, licenciado em engenharia, especializado em direção de empresas. Nasceu na Cidade do México em 15 de abril de 1964. É autor dos livros:
-Um grito desesperado (1992)
-Juventude em êxtase (1993)
-A última oportunidade (1994)
-Voar sobre o pântano (1995)
-A força de Sheccid (1996)
-Juventude em êxtase 2 (1997)
-Dirigentes do mundo futuro (1998)
-Contraveneno (1999)
-Sangue de campeão (2001)
-Sangue de Campeão sem correntes (2002)
-Sangue de Campeão invencível (2003)

A revista Time de Nova Yorque, em sua edição de outubro de 2001 diz que dele: "Em um tempo em que os jovens parecem crescer rápido demais, expostos a pressões que seus pais nunca tiveram, Carlos Cuauhtémoc Sánchez, está tocando o coração de leitore jovens, com uma profunda mensagem moral, que se converte num guia cultural ético de moda para milhões de leitores".
O jornal Wall Streer Journal em março de 2002 comenta: "Carlos Cauahtémoc Sánchez vendeu quase tantos livros como as seper-estrelas, o prêmio Nobel Colombiano, García Marquez e outros. O autor mexicano dos best sellers, dá uma mensagem moral condimentada".
O jornal Reforma, em outubro de 1997 diz: "Uma pesquisa realizada pelo departamento de investigação da Reforma, assinalou que os autores preferidos e mais lidos pelos universitários mexicanos são Gabriel García Marquez, Hermann Hesse e Carlos Cuauhtémoc Sánchez. São o hit parade da literatura".
Los Angeles Times em junho de de 2002 assegura: "Para milhões de pessoas, Carlos Cuauhtèmoc Sánchez é uma combinação entre a versão hispana do conferencista Tony Robbins e um amado sacerdote. É um líder espiritual que motiva as pessoas nos momentos mais duros de suas vidas. Com seus livros sobre a família, o perdão, a fé e a formação do caráter, tem chegado a ser o guia cultural da moda para as pessoas da Latinoamérica que se comoveram com suas profundas mensagens. Entre os latinos na Califórnia do Sul, ele representa tanto como os gigantes da literatura".
El Dia, em Huston, Texas, em abril de 2003 menciona: "Carlos Cuauhtémoc Sánchez, o escritor que faz da ajuda aos outros mais uma experiência de vida, e que há conseguido transmitir suas vivências, conquistou o coração de Latinoamérica. O autor mexicano cujos libros estão recorrendo a América e inpirando tanta gente a ver a vida de outra maneira, esteve ontem no El dia".
Todos os livros de Carlos Cuauhtémoc Sánchez têm alcançado a categoria do best sellers e vários deles tem sido traduzidos para inglês, francês e português. (Eu não encontrei!)
O autor tem sido colaborador em diversos debates em rádio e televisão como especialista na área da formação humana. Obteve o "prêmio nacional das mentes criativas", outorgado pela Direção geral de Direito, e o "prêmio nacional da juventude em literatura", outorgado pelo Presidente da República Mexicana. Está participando de conferências nos principais auditórios de Estados Unidos, Porto Rico, República Dominicana, Guatemala, El Salvador, Panamá, Colômbia, Equador, Argentina, etc. Tem sido reconhecido como "escritor do ano", assim como um dos motivadores da superação pessoal e familiar mais importante da nossa época.
Existem muitos livros de superação pessoal, mas nenhum como este.
Invencível é uma história emocionante do princípio ao fim, com o resumo dos 5 princípios para trinfar na vida:
1- Cova da estratégia
2- Código secreto
3- Disfarce de capitão
4- Missões complexas
5- Defesa do tesouro.

Descubra estes 5 poderes e disfruta da sensacional história de uma adolecente que vai a outro país para aprender um novo idioma.
Os livros "Sangue de Campeão" de Carlos Cuauhtémoc Sánchez fazem parte da literatura de superação juvenil mais importante da década!

INVENCÍVEL

1
Papai:Já imaginou como estaria sua filha hoje? Pensou em como ela está sozinha? Às vezes sinto algo contra ti, e às vezes, quando penso em ti, sinto um nó na garganta, mas não choro. Nunca choro, sobretudo agora que estou longe de casa.

O professor chegou até a mesa de Itzel, perguntou o que ela estava fazendo, ela fechou rápido seu caderno. Então começou a broma: torceu a boca e tapou os ouvidos. Estava cansada de ser corrigida em um idioma que não entendia. O professor se enfureceu e lhe mostrou a porta de saída. Ela se pôs de pé e murmurou:
-Imbecil...
-What did you say?
Caminhou devagar e abandonou a sala.
O professor foi atrás dela dizendo uma série de frases incompreensíveis.
-Segue falando, dá no mesmo... - respondeu Itzel afastando-se pelo corredor
-Queres que me jogue pela janela? Que vá de joelhos até a fronteira? Que limpe os banheiros com a língua? De qualquer maneira vou fazer!
Uma colega ruiva saiu do banheiro e quis iniciar conversa, Itzel deu de ombros e disse:
-Yes, yes, yes...
A ruiva insistiu em falar, mas Itzel abriu as mãos em sinal de impotência, deu meia-volta em direção à saída do colégio.
Sentiu-se frustrada. Ela não era assim! Sua personalidade tinha mudado. Antes podia discutir com força ou conversar amavelmente. Era aplicada, inteligente e ativa. Agora, qualquer menina arrogante parecia sábia a seu lado, e até os vagabundos passavam por educados junto a ela.
Muitas perguntas martelavam sua cabeça. Por que a enviaram a essa pequena e gelada cidade nas montanhas? Por que os "gringos" não tinham que se preocupar em viajar para outros países para aprender espanhol?
-A vida é injusta... Murmurou
Sentiu vontade de arrancar os cabelos, correr, jogar-se pela janela, chutar a parede e gritar. Então viu o alarme contra incêndio. Era uma chave alaranjada. Para ativar, só precisava levantar uma tampa. Olhou à sua volta. O corredor estava vazio. Acionou a chave. No mesmo instante, um ruído agudo e penetrante lhe invadiu. O som foi tão forte que Itzel se arrependeu imediatamente. Acionou a chave novamente tentando calar a sirene, mas acabou acionando os jatos de água no teto. Ouviram-se gritos de alunos que estavam se molhando. Acionou novamente a chave, e um novo som de emergência começou a tocar fora do edifício. As portas das salas se abriram e centos de crianças saíram em tropa. Os professores tentavam organizar a evacuação, mas ninguém obedecia. Alguns jovens muito assustados tratavam se espaçar, enquanto outros, contentes pela interrupção das aulas, aproveitavam para se divertir. Em um abrir e fechar de olhos grupos inteiros de adolescentes passavam ao lado de Itzel em direção à saída. Ela se uniu a eles, sentindo que seu coração saltava. Que havia feito? Os salões estavam cheios de livros e aparelhos! Estariam molhados? E a biblioteca? E o laboratório de informática? Tentou se acalmar. O sistema devia prevenir erros: não podia destruir o material didático com um alarme falso... Apesar de que ela havia acionado 3 vezes o alarme. De qualquer maneira, um incêndio real não se apagaria com aquela “aguinha”. Seria necessária a ajuda de... Oh! Não!Escutou o som das sirenes na rua.
Saiu com seus colegas para o pátio. A grama estava coberta por uma manta de neve. Alguns professores tentavam formar filas. Em poucos minutos os alunos estavam todos do lado de fora. Haviam chegado bombeiros e policiais.
Dois inspetores entraram na escola enquanto outros esperavam atentos aos seus rádios. Professores e alunos murmuravam, tentando adivinhar o que havia provocado esse caos.
Em poucos minutos, as sirenes se calaram e os inspetores reapareceram para dar a informação. Iniciaram os cochichos. Os chefes de bombeiros e a polícia se juntaram ao diretor da escola. Perguntaram quem era o responsável. Houve um momento de tensão. Todos os estudantes fizeram silêncio. O diretor voltou a perguntar desta vez com mais energia. Ninguém disse nada. De repente, uma menina ruiva levantou a voz e sinalou para Itzel. Centos de olhares se voltaram para ela. O tempo pareceu parar. O diretor da escola avançou entre as filas e perguntou algo para a jovem que estava sendo acusada, mas ela não respondeu. O chefe de bombeiros se aproximou e perguntou se havia sido ela. Mesmo em inglês, suas palavras eram claras. Não tinha porque mentir. Itzel afirmou. A polícia se uniu a eles, tomou a menina pelo braço e levou-a. Ela se deixou levar. Tratou de tranqüilizar-se pensando: “Não podem me fazer mal, só xingar-me... Sou menor de idade, talvez me obriguem a limpar a escola molhada. Ou talvez me tirem do país! Isso seria bom, pois tudo que quero é voltar pra minha casa”.
Levaram-na a um escritório.

2

Gordon Hatley avermelhou quando escutou os pormenores do que havia feito Itzel. Começou a xingá-la aos gritos. Tiffany quis controlar seu marido, mas ele se enfureceu ainda mais. Itzel vivia com eles a 3 meses. Gordon era legalista, quadrado, adepto ao trabalho e muito explosivo. Tiffany era cordial, tolerante e até um pouco tonta.
A polícia deu um documento para o diretor do colégio e outro para o tutor da menina. Gordon quase se foi de costas quando viu o papel. Logo, o esfregou no nariz de Itzel. A menina se sentiu humilhada e se negou olhar-lo. Tiffany pegou a folha e explicou em seu escasso espanhol:
-Ser ordem pagar fiança. Ir corte explicar juiz.
Gordon interrompeu:
- Moreover, you have been expelled from school!
Itzel entendeu perfeitamente: Havia sido expulsa da escola. Só não soube se era definitivo ou temporário.
Gordon dirigiu até a delegacia e desceu do carro batendo a porta. Tiffany ficou no carro tentando explicar para Itzel porque era tão grave o que ela havia feito, mas a menina fechou os olhos e fingiu estar dormindo. Depois de alguns minutos, Gordon voltou. Havia pago a fiança e marcado data para audiência.
- I have to talk with your mother about this.
Itzel já sabia. Gordon ligaria para o México. Isso era o único de doía. Sua mãe era uma grande mulher, e estava fazendo um enorme esforço para enviá-la a estudar no estrangeiro. Quis suplicar a Gordon que não ligasse, que ela pagaria com trabalho as conseqüências de seu erro, quis pedir perdão a todos, mas só conseguiu dizer:
- Don't do that!
- Oh, yes, I will - respondeu o homem.
Quando chegaram em casa, Itzel correu para o quarto de Jerry, o filho maior dos Hatley, quem, pelo programa de intercâmbio, estava na Europa aprendendo francês.
Itzel se tapou a cara com uma almofada. Depois de alguns minutos, alguém bateu na porta. Era Tiffany.
- Tua mãe querer falar telefone.
Itzel se pôs de pé e brinco, com tom sarcástico:
- Fhone-home?
- Excuse me?
Pegou o telefone sem fio.
- Alô?
- Você está bem, filha?
Itzel assintiu enrugando o nariz.
- Não pode falar?
Moveu a cabeça de forma negativa.
- Gostaria de explicar o que aconteceu, mas principalmente quero saber se há algo que possa fazer por ti. Mande-me um email, por favor.
- Sim mamãe, vou mandar.
Desligaram o telefone. A menina foi ao computador de Jerry e tentou acessar a internet, mas precisava da senha e sentia a mente bloqueada e decidiu desligar o computador.

3

Papai:
Prefiro escrever a você porque tu não podes me responder nem me dar sermão. O silêncio é teu castigo por ter subido naquele estúpido aviãozinho! Sempre foi um imaturo. Tu gostavas dos esportes extremos e os jogos de adrenalina. Dizias que te fascinava mergulhar em cavernas e jogar-te de pára-quedas. Queria que eu crescesse para levar-me nas montanhas-russas. Como podes ver, já cresci e tenho medo até do carrousel! Que tu acha? Pelo menos não me matarei da forma idiota que tu te mataste. Mas me pareço contigo, também sou mal-falada e imprudente. Dizem que machucavas as pessoas com tua sinceridade. Sinto muito, mas sou igual. Algo teu eu tinha que herdar. Já sabe das minhas últimas aventuras neste povoado nauseante onde mamãe me mandou para aprender inglês? Deixe-me contar-te: Não aprendi inglês, o que sim aprendi é o que se sente por ser um cidadão de segunda classe, que teus colegas te ignorem e que as autoridades te maltratem.
Hoje de manhã Gordon me levou ao tribunal. Foi uma experiência horrível. A sala era acarpetada e tinha vidros reluzentes, uma bandeira enorme e o escudo nacional de Estados Unidos talhados em madeira, como nos filmes, só que este era uma espécie de tribunal simples, onde se realizam julgamentos rápidos. Os acusados sentados na frente do juiz esperavam ser chamados a depor. O promotor recitava os cargos, os acusados se defendiam, as vezes com ajuda de um advogado, e, finalmente, o juiz dava a sentença. Sabe o que mais me chamou a atenção? Que na sala quase não tinha “bolinhos”! (Eu chamo assim os gringos que têm o cabelo amarelo e a pele branca como bolinhos). A maioria dos acusados eram latinos, negrinhos e árabes de mau aspecto. Por que será? Tu achas que os bolinhos não cometem infrações? Com certeza cometem, mas são tratados melhor que os imigrantes e rara vez os mandam para essas galerias! É muito desagradável. Te revistam 20 vezes antes de entrar, te tiram a bolsa, o celular e todos os pertences. Logo te obrigam a sentar e te deixam aí durante horas. Enquanto isso, vê tudo que acontece na volta. Os policiais armados até os dentes se movem com prepotência. Os guardas são grosseiros. As secretárias são sarcásticas. Uma mulher, perto de nós quis discutir e recebeu tantos gritos que acabou pedindo perdão. Os policias seguiram com ameaças até que ela chorou. Neste lugar só está permitido abaixar a cabeça e declarar-se culpado. Qualquer protesto se interpreta como rebeldia e és fortemente castigado. Gordon Hatley passou todo o tempo inflando as bochechas como sapo. Gostaria de ter um alfinete.
Depois de quase 4 horas de espera nos fizeram passar por um oficial que começou a fazer perguntas. Eu não entendi, mas vi a arrogância do sujeito, e depois de um interrogatório insuportável, me fartei, me golpeei o peito o peito com a mão fechada e disse: “ Sou culpada, culpada, culpada, culpada...” O cara pareceu entender minha gozação, começou a me repreender e fez um sinal. Imediatamente chegaram 3 policiais e me levaram para uma sala, onde tiraram fotos e colheram minhas digitais. Que absurdo! Não acha papai? Mesmo que houvesse matado alguém. Aí me deixaram sentada por mais um tempo! Várias pessoas entraram para xingar. Quis ficar em pé e me obrigaram a sentar. Estava a ponto de explodir quando me levaram de novo ao juiz. Gordon falou por mim, mas a essas alturas eu estava tão humilhada que quando o juiz começou o sermão outra vez, me puxei os cabelos e comecei a gritar. Não chorei porque nunca choro, mas estive a ponto de chorar.
Foi o mais horrível que me aconteceu. Deram-me um cartão alaranjado com as conclusões da corte. Gordon deixou que eu ficasse com ela de recordação. A porcaria está em inglês! Na primeira oportunidade, vou assoar o nariz com ela, ou algo pior.
Papai, estou farta! A psicóloga disse que eu precisava vir a esse povoado para tirar o trauma de ter te perdido. Isso é estúpido e infantil. De que me serve conhecer o lago que te fascinava? Muito bem, já conheci, agora queria partir. Aqui me sinto como presa. Tiffany não me deixa nem respirar. Me vigia, trata de me dar conselhos em seu espanhol torcido e fica o tempo todo insistindo para que eu seja amiga de sua filha Babie. Babie! Tem nome de cachorro, não acha? (Hei, vem babie, babie!)
Bom papai, espero que tu sim esteja passando bem. Pelo menos o último vôo com o aviãozinho deve ter sido muito emocionante.
Perdoe-me... Só escrevo burradas, mas me dá raiva não ter você perto quando preciso. Fazes-me muita falta! Não tem idéia... Uma menina aos quatorze anos pode sobreviver sem ter namorado ou amigos, mas definitivamente não pode sem ter um pai... Pelo menos eu não posso...
Outra vez estou apertando os dentes para não chorar!
Quero que saibas que te adoro!

Itzel.

4

Dobrou a carta e guardou em sua maleta. Depois saiu da casa sigilosamente. Estava nublado e uma fina precipitação de neve não cessava. Apenas era novembro e já se sentia a chegada do duro inverno.
Perambulou pela rua por um longo tempo. À sua esquerda, o enorme lago, que não desejava nem se aproximar, se congelava cada vez mais. À sua direita, as cadeiras suspensas que transportavam os esquiadores ao cume da montanha se moviam lentamente. Era uma paisagem com movimento, mas aborrecida. A maioria das cadeiras estava vazia.
Subiu as escadas e entrou na cafeteria da montanha. Dois esquiadores tomavam chocolate quente depois de uma jornada de esportes. Havia muitas mesas vazias. Itzel sentou e respirou fundo olhando pela janela.
Logo, a porta da cabana se abriu e apareceu um professor de esqui seguido de três moços e duas meninas. Todos arrastavam suas pesadas botas enquanto tiravam capacetes, gorros e óculos de proteção. Pareciam cansados. A roupa do professor tinha bordada no ombro a palavra “coach”. Os jovens tinham no mesmo lugar a legenda “ski team”. Apenas sentaram, o coach começou a falar. Itzel observou a cena e ficou assombrada por três razões: Primeiro, ele era um homem moreno, de baixa estatura, com feições toscas e a perna direita machucada. Um latino inválido dando aulas de ski a jovens norte-americanos? Absurdo! Em segundo lugar, o homem pronunciava o inglês de maneira tão clara que Itzel compreendia com perfeição, e, em terceiro lugar, como líder, tinha grande otimismo, dava palmadas no braço dos meninos, desenhava linhas no ar e transmitia um entusiasmo extraordinário.
No final, os jovens recolheram seus capacetes, luvas e óculos e se despediram. O mais forte e formoso dos meninos disse para o treinador:
- Obrigado por tudo Ax. Bom dia.
- Você também Rodrigo. Fizeste um bom trabalho hoje.
Os jovens voltaram para a neve. O treinador se dirigiu ao balcão da cafeteria. Usava uma bengala e arrastava a perna! Como dava aulas de esqui assim? Itzel surpreendida e cativada pela idéia de falar em seu idioma com uma pessoa tão interessante, caminhou na sua direção e tocou-lhe o braço.

5

- Escute senhor, gostei do entusiasmo de sua equipe... Preparam-se para algum campeonato?
- Sim...
Estendeu a mão e cumprimentou-o.
- Sou do México, me chamo Itzel. Estou aqui de visita por um ano. Mandaram-me porque mamãe disse que tenho que superar um trauma e, de passada, aprender inglês, mas não estou louca nem gosto de inglês. Que aconteceu com sua perna?
O treinador sorriu e franziu as sobrancelhas.
- Tive um acidente.
- Esquiando?
- Não.
- Ah... - por um momento não soube como prosseguir a conversa, até que lhe ocorreu:
- Ouça, sabe onde posso ter aulas de esqui em espanhol?
- Em nenhum lugar.
- Mas...
- Tu estás aqui para aprender inglês. Mesmo que te inscreva em outras aulas, não devem ser em espanhol, nem bilíngüe.
- Já te disse de odeio esse idioma.
- O ódio somente é produto da falta de conhecimento. Esforça-te em falar. Não tenha medo de errar. Diz para as pessoas que estás aprendendo. Caso não entenda algo, peça que repitam ou falem devagar.
- Mas me sinto uma tonta quando tento!
- Pois grave em sua mente: Você não é uma tonta! Ao contrário, é uma aventureira, valente, empreendedora, ousada. Por isso quer se superar. Sinta-se orgulhosa disso e deixa de queixar-se!
- Dizer é fácil...
- É fácil, se te decide! É parecido com a natação: Ou te mete na água ou nunca vai aprender. Os imigrantes que procuram amigos, revistas e canais de rádio e televisão em seu idioma, como para ficar na margem do lago, jamais atingem sua meta... Se você quer triunfar, deve sair da zona de conforto e tirar o capuz! É incômodo e tem risco, mas te garanto que funciona.
- E se me afogo?
- Tem galhos e pedras para te apoiar. Use todos seus sentidos e se esforce que conseguirás! Muitas pessoas têm feito. Por que acha que tu não?
- Está bem – comentou Itzel - , nesse caso, preciso de aulas de natação – riu – você me entende...
O homem assentiu.
- Tens um papel? Vou te dar meu telefone.
- Claro!
Itzel pegou do bolso o cartão alaranjado que lhe deram no tribunal.
- Escreva aqui.
O treinador fez uma cara de assombro.
- Que é isso? Em que tas metida? Consomes drogas?
- Não!
- Então roubou algo?
- Somente fiz uma travessura!
- Este cartão não é dado para quem somente faz uma travessura! É para quem é classificado como caso grave.
- Eu não sou um caso grave.
- Pois acabo de expulsar dois de meus melhores esportista por colecionar folhas como essa.
Itzel franziu o nariz e disse:
Isso é um estúpido exagero! Eu somente...
Imediatamente se arrependeu da má palavra, mas já era tarde. O homem olhou-a triste. Não parecia bravo, mas decepcionado. Perguntou com voz triste:
- Já leu o que está escrito nesta folha?
- Não.
- Pois deveria ler...
Nesse momento se ouviram os gritos de um jovem que se aproximava desesperado.
- Help, help! There is a fight over there!
Dois jovens rolavam pela neve enquanto outros dois de pé se ofendiam com palavras e socos. A confusão aumentou quando chegaram reforços para os dois bandos. Em poucos segundos havia vários jovens envolvidos.
O treinador pegou sua bengala e, arrastando a perna inválida, mas com pressa, foi separar a briga. No mesmo instante, um guia da montanha uniformizado com sua roupa vermelha desceu esquiando a toda velocidade, tirou os esquis e ajudou a deter os jovens. Houve socos no ar, gritos, ameaças e tentativas de recomeçar a briga. Os três jovens da equipe foram controlados, enquanto seus inimigos colocavam os esquis e partiam ameaçando.
- Que aconteceu aqui?
Os jovens começaram a explicar. O homem de roupa vermelha disse em espanhol para o treinador:
- Você deve ter cuidado. Esses tipos são perigosos e estão furiosos porque foram expulsos.
- Sim, já sei, mas não quero delinqüentes na minha equipe.
Itzel já não se atreveu a pedir o número de telefone. Deu meia-volta e se foi.
Quando entrou na casa dos Hatley, viu seu reflexo no vidro da sala e pode analisar sua imagem desarrumada. Não tinha tomado banho à dois dias e usava roupa suja e amassada. Lembrou das palavras do caoch: “Em que anda metida? Consome drogas? Roubou algo?”
Analisou o cartão alaranjado. Trancou-se no quarto, e com ajuda de um pesado dicionário traduziu palavra por palavra, depois revisou as frases e tornou a escrever para dar melhor sentido. A advertência era aborrecedora:

Você cometeu um delito federal. Por isso teve que pagar fiança e possivelmente fique registrado como transgressor nos arquivos da polícia. É do interesse do condado e da comunidade recordar que você é uma pessoa valiosa, capaz de deixar um legado positivo ao mundo. Sempre que se sinta tentado a cometer algo ilícito, lembre que a lei é implacável, cedo ou tarde você sofrerá as conseqüências de suas faltas e pouco a pouco sua vida ficará destruída. Por ouro lado, lembre que podes escolher realizar atos nobres, valentes e úteis para sobressair proveitosamente, esses atos serão recompensados pela sociedade e com o tempo enobrecerão sua pessoa e enaltecerão seu nome. Não te sinta ofendido pela multa que foi imposta, sinta-se agradecido porque ainda tens a oportunidade de mudar sua atuação na história. O condado o motiva para que este contratempo se converta em trampolim para o êxito que você merece.

Itzel analisou a tradução e ficou imobilizada por uma preocupação.
Esse era o cartão que davam para os criminosos!
Sentia-se como um animal encurralado em um tronco.
Entre cansada e asfixiada, dormiu.

6

Voltou à escola depois de 5 dias suspensa. Quando saiu da aula foi direto à montanha. As cadeiras suspensas funcionavam como sempre, mas poucos esquiadores baixavam pela ladeira. Esperou junto das pistas por quase 2 horas. Nem o treinador nem sua equipe apareceram. No entanto, o guia da montanha passou com sua roupa vermelha várias vezes e a olhou com curiosidade.
Voltou triste para casa.
- Estar bem Itzel? – Perguntou Tiffany.
- Sim.
- Por que ir montanha?
- Está me espionando? Deixe-me em paz! Leave me alone.
E se trancou no quarto.
Durante os próximos dias tentou novamente encontrar o treinador. Não teve êxito. No final de semana entro na cafeteria de esquiadores, sentou e olhou pela janela. Logo sentiu alguém atrás dela. Girou o corpo.
- Por que me segue Tiffany? Oh, desculpa, digo, I’m sorry, pensei que era...
O especialista em resgate a observava.
- Do you have a problem?
- Não. Não tenho problemas. É que… Você fala espanhol?
- Sim. Tenho te visto por aqui vários dias. Está procurando alguém?
- O treinador de esqui.
- Está viajando. Se me disser o que precisa, talvez eu possa te ajudar. Me chamo Alfredo Robles e sou venezuelano.
Itzel o olhou de frente. Era um homem atlético, mas muito feio. Mesmo tendo se dado conta que não deveria falar com estranhos, já era tarde para mostrar-se seletiva.
Não sei exatamente que tipo de ajuda necessito. Me chamo Itzel, sou mexicana. Vim aqui por um ano, e tudo tem ido mal. Vou à escola Pink Oak, mas não tenho amigos porque não posso me comunicar. Tratei de entrar na equipe de ginástica e nem me deram oportunidade de tentar. Pensam que sou tonta! Faz alguns dias fiz uma travessura e me levaram ao tribunal! Lá me deram este cartão – mostrou, mas ele não se interessou em ler. Por acaso conheci o treinador de esqui naquela tarde. Viu meu cartão e pensou que eu era delinqüente. Quero mudar a imagem que passei, pois preciso de um professor que fale meu idioma, antes que eu exploda. Os bolinhos têm me maltratado. Odeio-os. Aqui todos são quadrados, rígidos e exigentes.
O homem respirou fundo, tirou as luvas, colocou-as sobre a mesa e sentou junto com Itzel.
- Deixe-me ver… Estamos numa cultura diferente, com muitos defeitos, mas também com muitas qualidades.
- Vai me dizer que você é um latino frustrado que admira os “bolinhos”? Que qualidades eles podem ter?
- Têm uma excepcional: Seguem seus mapas com muito rigor.
- Como?
- Para ir de uma cidade para outra, esquiar nas montanhas, achar um tesouro escondido e muito mais, apenas precisas ter bons mapas e respeitá-los.
- Que diabos está falando? Por acaso nosso país não tem mapas?
- Tem, mas nós não somos, como tu diz, tão “quadrados, rígidos e exigentes” para obedecer-lhos.
- Não entendo, o que são os mapas?
- As leis Itzel, as leis! As nossas devem modernizar-se, mas a maioria funciona. O problema é que não as cumprimos. Aqui nos Estados Unidos há uma política de tolerância zero no seguimento dos mapas. As regras são inflexíveis. As autoridades castigam os infratores diante de falha mínima. Se alguém erra um pouco, é muito repreendido, e se o equivoco é grande, além de repreendido é levado ao tribunal e fazem um grande circo. São exagerados para repreender quem quebra as leis. Mentir é um delito, fazer “rolos” é um crime, passar as linhas amarelas é um insulto. Conheço uma jovem que foi expulsa da universidade só porque copiou um artigo da internet e disse que era de sua autoria. Também tenho visto policiais que prendem crianças que roubam doces. Enquanto em nossos países a maioria da população considera que as autoridades sejam corruptas, inertes ou burras, aqui há um excessivo acato às normas e a quem as faz cumprir, o sistema ensina as pessoas desde cedo que elas têm liberdade para tudo, menos para desobedecer os mapas.
- Um momento! – Disse Itzel – E por que se as pessoas deste país são assim tão corretas há tantas drogas, imoralidade sexual e delinqüência escondida?
- Bom, porque quase todos obedecem as leis, não por convicção, mas por medo. Temem os castigos, e quando estão sozinhos ou “escondidos” como tu diz, se aproveitam. Soubeste de jovens norte-americanos que em suas férias de primavera vão à outros países para fazer algazarra, drogar-se e desnudar-se? É algo muito comum! Mas aqui, publicamente, poucos se comportam mal, porque se são descobertos não ficarão impunes. Os latinos que às vezes são tramposos em seu país, onde poucos seguem os mapas, mudam quando chegam aqui. Respeitam os sinais de trânsito e ficam atrás das linhas! Porque “para terra aonde vais, faça o que vê”, e aqui não há outra opção a não ser obedecer as leis. Nunca pense em desafiar um policial ou fazer graça com uma autoridade porque serás tratada como delinqüente!
- Eu sei. Já aconteceu comigo!
- Acontece pelo menos uma vez com a maioria de nós. É terrível, mas por outro lado, isso te dá a vantagem de que se alguém comete o menor abuso contigo, podes acusá-lo, processá-lo e até pedir indenização. Quase todos já tiveram que pagar fiança por fazer algo errado, fazendo com que todos, com o passar do tempo, se tornem “policiais”, cuidando uns dos outros. Os norte-americanos são ciumentos de suas leis, vivem se denunciando e ensinando os outros como se comportar. No começo é ruim, mas com o tempo, te acostumas.

7

Alfredo continuou:
- Meu protetor me deu um mapa que me ajudou a alcançar todas minhas metas. Aprendi a falar inglês, fiz cursos de resgate alpino, consegui trabalho e uma bela esposa.
Itzel ficou impressionada com a história.
- Eu sabia que este treinador era especial! – Falou – Tive o pressentimento desde que o vi. Como se chama?
- Axtotliec. É em nome indígena; significa lutador incansável. O chamamos de Ax, que quer dizer “machado”.

- E você pode me explicar em que consiste seu mapa?
- Bom, posso te explicar, mas não descobrirás o poder dele até que o estude detalhadamente, e eu não sou a pessoa indicada para te ensinar.
- Mas diga-me, como vou atuar se ninguém me ensina como? Por favor! Também estou passando por uma crise.
O homem observou a menina com atenção e disse:
- Os “mapas dos passos” nos mostram o procedimento exato para chegar de um ponto a outro. São anotações com instruções precisas. O mapa que te ajudará a alcançar qualquer meta tem cinco passos: Primeiro, armar uma “cova de estratégia” para organizar-se, planejar e prever, na “cova”, te converterá em um agente de inteligência para tua própria vida. Segundo, estabelecer um “código secreto” com declarações pessoais de êxito que se tornaram teu guia de conduta. Terceiro, usar um “disfarce de capitão” que te dê a aparência de triunfador. Quarto, “participar de missões complexas” e enfrentar grandes tarefas. Quinto, “defender o tesouro do teu tempo” e colocar em ordem tuas prioridades para saber a que pessoas ou atividades dedicarás tua vida.
Itzel ficou pensando.
- Você poderia me ensinar mais a fundo este mapa?
- Já te disse que não sou a pessoa indicada.
- Por quê? Você conhece os passos e os têm praticado!
- Sim, mas não sou professor. Ensinar é um dom.
Ela suspirou.
- Então?
- Vou te dar o endereço de Ax. Ele volta amanhã. Vá visitá-lo, talvez ele aceite te ajudar.
- Duvido.
Uma voz masculina os interrompeu.
- Oi Papai.
Itzel virou-se. Dois belos rapazes estavam próximos da mesa. Ambos traziam a mochila do equipamento de esqui.
- Oi – Disse Alfredo dando uma olhada no relógio – O tempo passou voando. Itzel te apresento meu filho Stockton e seu amigo.
O primeiro jovem estendeu a mão e seus olhos emitiram um flash de luz. O outro jovem cumprimentou logo depois. Ambos eram fortes e atraentes. O mais impactante neles, era o olhar sincero. Itzel sentiu um gosto metálico na boca.
Quando os esquiadores se afastaram, Itzel tornou a sentar-se um pouco mais para olhar a paisagem nevada. Logo foi para a rua. Pela primeira vez sentiu que o clima frio era agradável e a pequena cidade encantadora. Caminhou com entusiasmo e praticou o inglês cumprimentando a todas as pessoas que cruzaram seu caminho.

"COVA DA ESTRATÉGIA"

1
Gordon Hatley não parava de gritar e dar socos. Tiffany tentava acalmá-lo. O escândalo era tanto, que Itzel saiu de seu quarto para ver o que acontecia. Encontrou uma cena muito desagradável. O homem esbravejava e fazia sinais de fúria. Sua esposa, sentada numa cadeira da cozinha, contestava em tom suplicante. Os dois falavam ao mesmo tempo, mas nenhum escutava. Apesar de Itzel já ter visto várias discussões, nenhuma havia sido de forma tão violenta.
Voltou ao seu quarto e viu que Babie presenciava a briga escondida atrás da porta entreaberta. Os olhos da menina refletiam uma terrível combinação de medo e tristeza.
Tiffany foi para a rua e entrou em seu carro. Gordon foi atrás dela sem deixar de gritar. A mulher ligou o carro e saiu. Gordon também entrou em seu carro e desapareceu. O silêncio voltou à casa.
Durante a seguinte hora, Itzel tentou fazer sua tarefa, mas não conseguiu concentrar-se. Olhou o papel que Alfredo Robles havia escrito com o endereço de Ax e brincou com ele.
Não era correto que fosse à casa de um homem pedir orientação, mas tampouco estava bem ficar com os braços cruzados quando havia encontrado a possibilidade de superar-se tanto.
Saiu de seu quarto. Viu a porta do quarto de Babie e, como não havia ninguém a quem pedir permissão, pensou em avisá-la. Bateu. Quase imediatamente Babie apareceu sorridente e a convidou a entrar. Estava bêbada. Na penteadeira havia uma garrafa de ‘brandy’. A gaveta aberta mostrava várias carteiras de cigarros.
Itzel tentou aconselhar Babie, dizendo que se seus pais descobrissem, o problema seria maior. Então Babie disse que Gordon não era seu pai, que Tiffany era divorciada e seu verdadeiro pai era um dublê de cinema, sempre rodeado de mulheres, e Gordon, um neurótico aficionado a repreender os outros. Itzel compreendeu algumas frases soltas, quis consolar Babie abraçando-a, mas a norte-americana desviou do contato, como se houvesse recebido uma descarga elétrica.
- Are you going to share this with me? – Babie voltou a oferecer-lhe álcool.
- No thank you.
Itzel deu meia volta e continuou seu caminho para fora da casa.
Perguntou-se se sua mãe sabia de toda a história desta família antes de mandá-la para lá. Provavelmente não, senão teria lhe avisado.
Olhou o endereço do treinado e começou a caminhar. Pensou que, como o povoado era pequeno, tarde ou cedo encontraria o endereço, mas calculou mal. Recorrer as avenidas levou quase duas horas. Já tinha escurecido quando encontrou a rua. Estava cansada. Fez um último esforço e andou os últimos metros. Havia uma camionete preta estacionada na garagem aberta. Através da cortina se via a silueta de um homem reclinado sobre sua mesa.
Itzel ficou em dúvida. Olhou ao redor. Dois carros e três motos se aproximavam. Era uma rua bem iluminada. Se Ax a convidasse para entrar, não aceitaria. Tinha quatorze anos, saberia detectar a tempo qualquer perigo. Estava pronta para bater quando escutou que as motos pararam em frente à casa. Ela se escondeu numa lateral da camionete. Os três motoristas eram jovens e cada um carregava uma garrafa de cerveja. Começaram a gritar e acelerar ameaçadoramente. Itzel reconheceu dois deles, eram os que haviam brigado com os esquiadores da equipe de Ax! Tocaram buzina e aumentaram os gritos, como que chamando o treinador para uma nova briga. A luz da casa se apagou.
- Let’s go! – Gritou um dos vândalos – But before…
Rodou a garrafa de cerveja várias vezes e jogou com força. A garrafa girou no ar antes de bater na janela. O estalo fez com que vários cristais saltassem por todos os lados. Itzel apenas teve tempo de cobrir o rosto, vários pedaços de vidro caíram sobre seu corpo. Os motociclistas começaram a fuga. Ela saiu da garagem assustada e se encostou à traseira da camionete. Sacudiu o cabelo e a roupa para tirar os vidros. Um pedaço entrou em sua mão. Extraiu com cuidado. Estava tão impressionada que não se deu conta quando o treinador saiu da casa para perseguir os agressores. Só sentiu que a camionete foi ligada e se movia em marcha ré. Quis sair, mas foi tarde, se desequilibrou e caiu. Tentou arrastar-se para fora do trajeto do veículo, mas apenas conseguiu tirar meio corpo. Mesmo que tudo tenha sido muito rápido, como em todos os acidentes, seus sentidos se alertaram tanto que viu tudo em câmera lenta. Já não tinha tempo para escapar. As rodas pegariam no meio de seu corpo, então se encolheu tratando de ficar no meio da camionete. O cano de descarga lhe pegou na nuca e, outra parte do carro, nas suas costas. Ficou presa embaixo da caixa de comando. Dobrou as pernas e tentou mover a cabeça, mas viu como a roda girava direto para ela. Fechou os olhos e gritou. Sua roupa enganchou em alguma parte do carro e isso fez ela girar. Somente seu braço esquerdo ficou exposto. O peso do carro o esmagou. Ouviu como os ossos eram triturados. Somente então o motorista pisou no freio.
Ax desceu da camionete e viu a menina que gritava.
- Oh my God! – Disse misturando os idiomas – Que faz você aí? Não e vi! Oh my God! Oh my God!
Entrou em sua casa para pedir ajuda por telefone.
Todos os objetos ao redor de Itzel ficaram borrosos. Sentiu que flutuava, o tempo ficou confuso e ela apenas ouviu as sirenes antes de perder os sentidos.

2

Acordou em um hospital. Sentia dor de cabeça. Tentou se mover, mas uma forte dor no braço esquerdo a paralisou. Que havia acontecido? Por que estava aí? As lembranças foram chegando aos poucos.
Alguém empurrou sua cama até a sala de raios-X. Tentou não mover-se. No relógio de parede viu a hora…Onze da noite!
Depois de vários minutos soube que seria operada. Os Hatley ligaram para o México e pediram autorização de sua mãe.
Em menos de duas horas estavam na sala de cirurgia.
Depois da operação, levaram-na a um quarto, onde passou a noite tendo alucinações. Um aparelho sustentava o braço esquerdo, no direito, recebia soro.
Na manhã seguinte, quando os raios de sol entraram pela janela, chegou o casal Hatley acompanhado de Babie. A jovem estava com vergonha, mas só Itzel sabia o porquê.
Tiffany disse:
- Itzel tua mãe vir avião.
- Que bom – Fez graça – Porque eu voltar com ela.
Logo chegaram dois policiais escoltando o treinador, seguido de um homem vestido com terno e gravata. Pediram para os Hatley sair. Assim fizeram.
O homem de gravata se apresentou falando em espanhol.
- Sou promotor, venho pegar sua declaração sobre o acidente. Vou gravar, algum problema?
- Não.
Os policiais seguiam ao lado de Ax, que parecia não ter dormido a noite toda. Itzel pensou que se ela passou maus bocados por haver ligado o sensor de incêndio, Ax deveria passar por algo muito pior!
- Pode-me dizer como foi atropelada por este motorista?
- Eu parei atrás de sua camionete.
- Mas você estava de pé?
- Sim.
- E acha que ele poderia ter te visto se olhasse para trás?
A jovem respondeu sem deixar dúvidas:
- Eu me abaixei. Não tinha como me ver, mesmo se quisesse.
- Por que se escondeu?
- Porque uns bêbados haviam acabado de quebrar o vidro de sua casa e tive medo que pensasse que fui eu.
- De qualquer maneira – Insistiu o promotor – Se o motorista não tivesse partido em marcha ré com tanta velocidade jamais teria te atropelado. O perito disse que houve negligência. Pode confirmar?
Itzel pensou por alguns segundos.
- Não. Este senhor não teve culpa. Ele dirigia devagar. Eu tropecei e caí embaixo das rodas.
- Isto é impossível! – Falou o promotor – O cano de descarga bateu em sua cabeça antes da roda triturar seu braço! Tinha que ser uma ação violenta!
- Não foi violenta.
- Mas o motorista demorou em frear, não é mesmo?
- Freou imediatamente.
- Senhorita. Se for descoberto que você esta mentindo para defender este homem, será acusada de falsa informação. E se seguir dizendo que você tem a culpa, estará obrigada a pagar todos os gastos com o hospital, e o motorista pode processá-la por danos morais e psicológicos.
- Danos psicológicos?
- Desculpe senhor – Disse Ax – De qualquer maneira pagarei os gastos e não…
- Cale-se! Lembre-se que você não pode falar até que termine o processo. Se tornar a desacatar a lei, te enquadro em desacato!
Itzel já tinha visto as autoridades “em ação”.
- Senhorita, este homem é seu parente ou amigo?
- Não.
- Já o conhecia oi tinha simpatia por ele?
- Já o vi treinando sua equipe, mas não tinha “simpatia” por ele.
- O que você fazia na frente da casa dele?
- Fui pedir informações para aprender esquiar.
- Então declara que não está tentando ajudá-lo, ele dirigiu com cautela e você teve a culpa do acidente.
- Sim senhor.
O promotor suspirou e desligou o gravador.
Toda a comitiva saiu. Ficou só.

3

- Mamãe! Que bom que chegou!
- Como você está meu amor?
- Bem – Ao falar, sua voz ficou trêmula – Tenho tanta saudade!
- Eu também.
Beky Menezes abraçou sua filha. Então perguntou:
- O que aconteceu?
- Um acidente…
- Tiffany acaba de me dizer que você saiu sozinha.
- Vai brigar comigo?
- Filha, preciso saber exatamente o que aconteceu.
- Para que? Já aconteceu. Mãe, quero voltar contigo! Tenho saudade das tortas, da pimenta, dos feijões. Aqui toda comida é ruim. Sem contar que engorda.
Beky sorriu.
- Te faria bem engordar um pouco.
- É sério mãe. Tu me ensinou que não devemos nos sentir culpados se mudamos de opinião. Pois eu mudei de opinião! Não quero mais ficar um ano neste país.
- Bom – Respondeu Beky dando de ombros – Se é isso que tu quer, também fico tranqüila. Tu não imaginas como tenho sofrido por estar longe de ti sem poder fazer nada pra te ajudar! Soube que te desclassificaram da ginástica antes mesmo de fazer um teste, que você acionou o alarme de incêndio, que foi humilhada no tribunal, que gosta de esconder-se nas montanhas de esqui… Eu fiquei sabendo de tudo e foi muito preocupante.
- Tiffany é uma gringa metida, fofoqueira, tonta!
- Não fale assim minha filha! As pessoas ao teu lado têm sido melhores do que tu imaginas! Inclusive, acho que muitas coisas te aconteceram por causa da tua atitude negativa com elas.
- Já vai começar a me dar sermão!
- Se dizer minha opinião sincera é dar sermão, então vou começar a fazer. Você veio atrás de objetivos e não está alcançando.
- Aprender inglês e conhecer o lago que fascinava papai?
- Nada disso! Te adaptar a uma nova sociedade e te desenvolver nela! Se te dás por vencida agora, ficará com uma tremenda sensação de fracasso. Reflete. Tiveste um acidente por algo. Os acidentes muitas vezes são sinais de que devemos parar, pensar, e corrigir nossa conduta. Reconhece teus erros, muda de atitude e volta ao México quando tiver a convicção de ter vencido!
Itzel apertou os lábios e ficou calada por um tempo. Depois disse:
- E por que não posso tentar em outro lugar?
- Por que foi aqui que tu caiu e é aqui que tu tens que levantar…
- Isso também foi a psicóloga que te falou? Diz pra ela que ela tinha razão. Estou louca, mas sua receita não serve. Odeio inglês. Este lugar me adoece! Não quero nem voltar a ver o lago… - Baixou a voz e murmurou: - Meu pai vinha pescar e mergulhar com freqüência e eu imagino que sua alma esteja penando por aqui.
Beky observou sua filha com preocupação. Itzel notou o olhar amoroso de sua mãe e tentou evitar o choro.
Beky abraçou-a.
- Quero te ajudar filha, mas não sei como.
- Obrigada mamãe… Eu queria ser como você. Conseguiu triunfar mesmo sem ter um pai. Eu não consigo. Não tenho tua força. Por que caiu daquele aviãozinho?
- Isso aconteceu há quatro anos, Itzel! Teu pai morreu. Tens que entender. Deixa-o ir…
Alguém bateu na porta. Era Ax, o treinador. Estava sozinho. Sua bengala e seu jeito tosco lhe davam um ar enigmático.
- Posso entrar?
- Claro! – Respondeu Beky sem esconder que estava achando tudo estranho.
- Você é a mãe de Itzel?
- Sim.
- Senhora, fui eu quem atropelou sua filha.